Quinta-feira, 02.08.12

 

Não sei se é por ser "fassista", mas tenho alguma dificuldade em entender a pena suspensa. Alguém comete um crime, vai a julgamento, é condenado e a pena correspondente não é cumprida. Resultado?: os objectivos da pena - prevenir a reincidência; criar, eventualmente, condições para a reinserção; simplesmente punir - são dados como desnecessários. E a que propósito? Não sei muito bem... Os entendidos na matéria (não é, de todo, o meu caso) dirão que, ainda que a pena não seja cumprida, a condenação continuará sempre a constar do cadastro e que isso, por si, bastará.

 

Vem isto a propósito de uma conversa com um amigo na qual, se bem percebi, terá defendido que à condenação por aborto, estando este criminalizado, não deveria corresponder uma pena de prisão efectiva. Ou seja, a prática não estaria legalizada, ao contrário do que hoje acontece, sendo totalmente proibida, mas as criminosas, provada a sua culpa, estariam livres do sol aos quadradinhos.

 

Em princípio, não concordo. Sobretudo, porque me lembra aquela ridícula posição do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa que, vendo bem, era semelhante à da despenalização - a despenalização que nos foi vendida durante meses a fio na comunicação social, mas que não passava de areia para olhos para esconder algo bem mais grave. Na altura, essa posição não foi compreendida porque comportava a clara incoerência de defender que, ainda que não fosse permitido abortar, as mulheres não deveriam sequer ir a tribunal. Portanto, o que não batia certo era algo ser ilegal (não liberalizado) mas não condenável, o que está longe da opinião do meu amigo. Ainda assim, penso que a semelhança entre as duas posições estará no facto de serem ambas inconsequentes.

 

A primeira, a do Prof. Marcelo, não é consequente pura e simplesmente porque não tem lógica: é completamente impossível proibir ou desincentivar algo que não pode levar à condenação de alguém. A segunda, porque condena mas impede de punir, como se existisse uma atenuante que, por inerência, teria lugar em qualquer barra de tribunal que julgasse abortos. Mais, porque acredita ser plausível existir alguma razão suficientemente forte para crer que uma mulher, não sendo presa, não reincidirá. Obviamente, também não sabemos se não reincidirá depois de cumprida a pena, mas podemos facilmente concluir que a perspectiva de novo encarceramento, ou de primeiro, servirá de dissuasão. Para mais, a punição de um assassino não só é inquestionavelmente justa como desejável, para além de qualquer necessidade óbvia de prevenção.

 

Por isso, mesmo que a mulher em causa seja considerada incapaz de discernir sobre o assunto (por deficiência mental, por exemplo), ainda assim, e sobretudo se for esse o caso, deve, em virtude daquela necessidade de prevenção, ser efectivamente encarcerada em condições especialmente adaptadas à sua incapacidade. Se a razão for de ordem ideológica, com mais propriedade se compreende ter de ser afastada da possibilidade de voltar a abortar. O mesmo, ou proporcionalmente pior, para executores, cúmplices e instigadores do crime, e excepção feita se a mulher, coagida a deixar matar o filho, ficar isenta de responsabilidade.

 

Dir-me-ão: a violação não é suficientemente atenuante? A fome não atenua a pena de um ladrão de pães? A autodefesa não justifica, em determinadas circunstâncias, provocar dano ao próximo? Pois bem, julgo que aí há que analisar, caso a caso, a plausibilidade de suspensão de uma pena, mas nunca legislar uma garantia de despenalização.

 

***

 

No Brasil, a campanha pela legalização do aborto avança a todo o vapor.



publicado por Afonso Miguel às 23:19 | link do post | comentar | ver comentários (1)


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